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Brasil está virando uma Venezuela, diz Maia sobre caso Pazuello

O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi presidente da Câmara por quase cinco anos, afirma que o País vive o risco do autoritarismo, numa situação semelhante à da Venezuela nos anos de Hugo Chávez. Ele avalia que a subserviência demonstrada pelo Exército ao presidente Jair Bolsonaro no episódio envolvendo o general Eduardo Pazuello enfraquecerá ainda mais a democracia brasileira. E acrescenta que o mercado não pode aceitar migalhas na aprovação de projetos econômicos e fechar os olhos para a escalada do autoritarismo.

“Muitos dos que defendem a democracia liberal precisam olhar essa tentativa permanente do governo de impor uma agenda autoritária ao Legislativo e ao Judiciário, de intervenção permanente nas Forças Armadas, de apoio a atos antidemocráticos. Precisamos parar de acreditar que há composição com alguém que não quer composição com as instituições democráticas”, disse, em entrevista ao Estadão/Broadcast. “É preciso nos diferenciarmos e não compactuarmos com essa agenda de atraso, que quer transformar o Brasil numa autocracia em que as instituições apenas ratificam os interesses do Executivo.”

Confira os principais trechos da entrevista.

Em que sentido o Brasil se aproxima da Venezuela chavista?

Lá, houve uma tentativa de intervenção clara no processo eleitoral, no Judiciário, nas Forças Armadas, com participação maior depois da tentativa de golpe em 2002, intervenção nas empresas de petróleo. Tudo isso acontece aqui também. Há uma organização de milícias, desconectando as polícias militares dos comandos estaduais e dos governadores. Um ataque permanente à imprensa. Tivemos uma tentativa de interferência nas pautas do Congresso em 2019 e 2020, que de forma nenhuma aceitamos. Com a eleição de candidatos apoiados pelo governo na Câmara e no Senado, vemos uma tentativa de avanço de uma agenda atrasada de flexibilizar o licenciamento ambiental, mineração em terras indígenas, homeschooling (ensino doméstico). Ataques permanentes a mim, aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), à imprensa, de testar limites. Se não tivermos uma atitude de liderança como a que teve Winston Churchill (primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial), se deixarmos as coisas acontecerem como deixou a sociedade venezuelana, vamos para o mesmo caminho. Chávez fez uma mudança constitucional que abriu caminho para interferência no Judiciário e na imprensa. O Brasil está virando uma Venezuela. O que vimos ontem foi uma grave interferência nas Forças Armadas. Chega uma hora em que podemos ter que pagar um preço que o Reino Unido não pagou, pois não recuou e não aceitou um acordo com o nazismo e o fascismo. Se Churchill tivesse sido conivente com o nazismo, certamente a história da democracia liberal na Europa, nas Américas, no Ocidente, teria sido outra.

É preciso dar uma resposta clara ao que aconteceu ontem com a falta de punição a Pazuello. A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), que impede militares da ativa de ocupar cargos políticos no governo, seria uma demonstração clara da sociedade de que não aceita mais intervenção do presidente nas Forças Armadas e de que quem está na administração pública precisa ir para a reserva. Partidos que hoje integram a base do governo, como PSDB, DEM, MBD, PSL, precisam compreender que não se pode misturar a base governista e a base democrática. Isso poderia ter acontecido também na votação da Medida Provisória da Eletrobrás, em que deveríamos ter aprovado o texto original do governo, que não era bom, mas não tinha os jabutis das termelétricas bancadas com recursos do consumidor e com aumento tarifário. A mesma coisa no Orçamento. Era o momento de dar o recado. É preciso nos diferenciarmos e não compactuarmos com essa agenda de atraso, que quer transformar o Brasil numa autocracia em que as instituições apenas ratificam os interesses do Executivo. Falta uma compreensão do nosso campo de que não adianta achar que vai compor e ganhar tempo para que a sanha autoritária do governo não avance. Parte do STF achava que não seria alvo do bolsonarismo, assim como parte da política achou que não seria alvo da Lava Jato, e o bolsonarismo é fruto da Lava Jato. Partidos da centro-direita precisam compreender que não adianta dialogar na tentativa de evitar crise. Daqui dois meses teremos outra crise com o Supremo, Forças Armadas, imprensa.

Quem no Brasil pode fazer esse papel de liderança que Churchill teve?

Muitos no Brasil têm esse olhar, essa resistência e perseverança. Temos que cobrar dos democratas uma economia de mercado, movida pela força do setor privado, com instituições democráticas e um olhar social, como o da chanceler Angela Merkel na Alemanha. Pequenos ganhos não serão ganhos se a nossa democracia estiver em jogo, se não houver defesa das instituições democráticas e do meio ambiente. Churchill ficou isolado, quase caiu, todo o entorno de seu governo defendia um acordo com o nazismo, como se o nazismo não fosse avançar sobre o Reino Unido em seguida. Churchill fez um discurso histórico, ganhou o apoio da monarquia, recuperou o do partido e a história mudou dali para frente. Líderes autoritários podem ser vencidos e eu acho que é nisso que precisamos focar. Muitos dos que defendem a democracia liberal precisam olhar essa tentativa permanente do governo de impor uma agenda autoritária ao Legislativo e ao Judiciário, de intervenção permanente nas Forças Armadas, de apoio a atos antidemocráticos. Precisamos parar de acreditar que há composição com alguém que não quer composição com as instituições democráticas. É preciso ter coragem para falar, e eu tenho falado, sofrido ameaças, assim como a minha família, e em nenhum momento recuei como brasileiro e deputado. Se não houver imposição de um limite, Bolsonaro vai avançar, e isso tira a força da nossa democracia. Há uma grande diferença entre Bolsonaro e os políticos forjados no enfrentamento da ditadura, e infelizmente não há como compatibilizar o pensamento do governo e o dos que defendem a democracia.

Qual o papel dos partidos de centro nesse cenário?

Está na hora de o centro democrático para de defender candidaturas individuais e construir um processo democrático, por meio do se conquiste o apoio do eleitor para conseguir, de forma democrática, tirar o presidente do segundo turno. Essa seria uma enorme vitória para a democracia brasileira em 2022. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem muitos defeitos, mas nunca avançou sobre a democracia. Se temos quatro ou cinco candidatos no centro, eles precisam se unir e criar uma agenda, um fato novo, reafirmar seus valores democráticos e a defesa de uma economia liberal, de redução das desigualdades. É preciso parar de olhar projetos individuais e focar em um projeto coletivo. Temos hoje duas candidaturas, Bolsonaro e Lula, e o nosso campo não vai conseguir criar uma candidatura com chance de vitória se todos não se unirem num único campo, formado por políticos experientes e jovens, por um projeto de Brasil em que as pessoas voltem a ter esperança. De certa forma, a política tradicional é a causa da eleição de Bolsonaro em 2018, já que não conseguimos gerar esperança que milhões de brasileiros tiveram desde a redemocratização. Cabe a aqueles que defendem a democracia entenderem que o apoio ao governo em troca de emendas legítimas às suas bases apenas fortalece a agenda reacionária do governo em 2022.

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