A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) completa 25 anos neste sábado (7). A efeméride coincide com a ênfase do governo federal na “reformulação abrangente” não só do órgão responsável por fornecer ao presidente da República e aos ministros de Estado informações e análises confiáveis sobre temas sensíveis e estratégicos, como de todo o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin).
“Diante do desafio transnacional representado pelo avanço da criminalidade organizada, do extremismo violento e do caos informacional, nosso Sisbin precisa ser reorganizado e nossas instituições civis de inteligência precisam ser fortalecidas”, sustenta o diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, no livro Inteligência na Democracia: desafios e perspectivas para a Agência Brasileira de Inteligência, lançado para marcar o quarto de século da agência.
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Segundo Corrêa, a reestruturação do Sisbin tornou-se uma meta de governo após ataques extremistas às sedes dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), em 8 de janeiro de 2023. Projeto de reformulação começou a ser colocado em prática já em março do ano passado, quando o Palácio do Planalto transferiu a Abin para a Casa Civil, motivou a reformulação do Sisbin, em setembro do ano passado e está subsidiando a revisão da Política Nacional de Inteligência e da Estratégia Nacional de Inteligência, conforme proposta em debate no âmbito do Conselho Consultivo do Sisbin.
As mudanças na Abin estão escoradas em três pilares: redirecionamento, ou seja, uma revisão dos objetivos estratégicos da agência, alinhando-os com as novas realidades e desafios nacionais e internacionais; reorganização, que busca melhorar a eficiência operacional e a capacidade de resposta do órgão, e, por fim, o reposicionamento, para ampliar a transparência e a integração entre os profissionais de carreira da inteligência e outras áreas do governo federal e da sociedade.
Já a reorganização do Sisbin se dá em torno de quatro eixos: o fortalecimento da Abin, cujas obrigações enquanto órgão central do sistema foram redefinidas; o reposicionamento do Consisbin enquanto instância consultiva de alto nível e de supervisão da atividade nacional de inteligência e o reordenamento dos órgãos que já integram o Sisbin, classificando em categorias, conforme suas competências e características.
O quarto eixo prevê a ampliação do número de participantes do Sisbin. Hoje, o sistema é composto por 48 órgãos e entidades do Poder Executivo federal, mas com a publicação do Decreto 11.693, em setembro do ano passado, e a reorganização do sistema, a Abin passou a negociar a adesão dos 26 estados, mais o Distrito Federal. Também criou três câmaras temáticas para permitir que empresas públicas ou privadas estratégicas, instituições financeiras e todo o sistema de inteligência do Poder Judiciário possam participar regularmente do sistema – com o qual, até então, contribuíam por meio de acordos de cooperação.
“Nossos atos estão todos casados”, disse Corrêa a jornalistas da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), na quinta-feira (5). “Nada é isolado. Estamos colocando a Abin para atender as demandas da realidade da sociedade. Seja para proteger as instituições democráticas ou o meio ambiente, seja para antecipar o conhecimento necessário para orientar as decisões de nossas melhores políticas públicas”, acrescentou Corrêa. Ao assumir a direção da agência, ele definiu junto com o presidente Lula três temas prioritários: mudanças climáticas; segurança cibernética e combate ao extremismo e a consequente proteção à democracia.
Ditadura
No mesmo livro (Inteligência na Democracia) em que Corrêa defende uma Abin “apartidária, apolítica, com atuação nacional e representação no exterior”, as professoras Priscila Carlos Brandão e Samantha Viz Quadrat, das universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e Fluminense (UFF), respectivamente, examinam o processo de transição do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) para a Abin.
Referências no estudo das atividades de inteligência, as pesquisadoras discutem como as práticas evoluíram no Brasil e como a Abin, não de hoje, tenta distanciar sua imagem do passado autoritário do SNI – órgão criado para coordenar as atividades estatais de informação e contrainformação durante a ditadura militar (1964-1989) e que se dedicou a espionar e reprimir críticos e opositores do regime, censurar notícias e manipular informações. O que, conforme notícias da época, teria motivado o próprio general Golbery do Couto e Silva, seu principal idealizador e primeiro dirigente (1964-1967), a afirmar: “criei um monstro”.
As pesquisadoras lembram que, com a redemocratização, o sistema de inteligência começou a ser reorganizado. O que resultou na extinção do SNI – embora parte dos agentes do órgão tenha atuado primeiro para evitar que isso ocorresse; depois, para tentar reverter a medida. E embora não tenham tido sucesso, também não se ajustaram de imediato aos novos tempos.
“No começo dos anos 1990, continuava ocorrendo espionagem a antigos oponentes políticos, com a presença de agentes em eventos universitários, em sedes de partidos e movimentos sociais”, concluem as pesquisadoras a partir da análise de documentos hoje sob a guarda do Arquivo Nacional.
“O formato dos informes e os termos e expressões utilizados também não mudaram. Porque não houve, naquele momento histórico, nenhuma nova doutrina ou mudança profunda na formação de quadros. Gerações de agentes formados pela ditadura, ainda que em número reduzido se comparado ao que o SNI fora um dia, seguiram trabalhando em órgãos da área no governo federal e nos estados. A estrutura seguiu militarizada durante algum tempo, o que não era esperado ou desejado em tempos democráticos, mas que, com outras ações, deixou claro como a anistia aos servidores públicos civis e militares envolvidos com graves violações dos direitos humanos, como tais continuidades prejudicaram a transição à democracia no Brasil” acrescentam as pesquisadoras antes de citar episódios recentes, como o “uso abusivo de ferramentas de vigilância e de desvios de finalidade para atender interesses privados da família [do ex-presidente Jair] Bolsonaro”, e concluir que, “mesmo diante de significativos avanços institucionais, uma cultura permissiva para com o uso politicamente enviesado de recursos de poder pode ensejar comportamentos em desacordo com as finalidades estabelecidas legal e doutrinariamente”.
No mesmo livro, o oficial de inteligência Leonardo Singer Afonso e a professora-adjunta da Escola Superior de Defesa (ESD), Cintiene Sandes Monfredo Mendes, sustentam que, “em razão do processo de redemocratização e dos desafios que se impuseram” após o fim da ditadura, os sistemas de inteligência brasileiros sofreram “adaptações mais ou menos drásticas”. Neste novo contexto, foi criado o Sisbin, cujo arcabouço legal, ao longo do tempo, acabou também se provando insuficiente “para que uma democracia como o Brasil lide com um sistema que representa o nível máximo desse setor de tamanha sensibilidade”.
“Em 2023, a readequação do Sisbin passou a ser prioridade manifesta pelo próprio presidente da República [Lula] à Abin, que precisou se debruçar sobre os problemas e iniciar um processo de restabelecimento do sistema e da atividade de inteligência de Estado no Brasil”, reconhecem Leonardo e Cintiene, classificando o atual processo de reformulação do Sisbin como “um esforço inicial”.
“O Brasil, um país continental com desafios geopolíticos, econômicos e sociais expressivos, requer serviços de inteligência à altura das suas complexidades”, declarou o diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, durante uma cerimônia alusiva aos 25 anos da agência, realizada nesta quinta-feira (5), em Brasília.
“Sob influência das transições globais e da competição entre os Estados, as ameaças às instituições democráticas e ao desenvolvimento nacional assumiram natureza transnacional impondo mudanças na maneira tradicional de conduzir as atividades de contrainteligência. Diante desse desafio, o presidente [Lula] reconheceu a necessidade de uma reformulação abrangente da atuação da Abin e do Sisbin”, comentou Corrêa, garantindo que a estratégia de “reposicionamento” da Abin contempla mais transparência e abertura ao diálogo com a sociedade em geral, em particular com acadêmicos e especialistas.
Já o ministro da Casa Civil, Rui Costa, ao qual a Abin está subordinada atualmente, declarou aos jornalistas da EBC que a “reconstrução” de instituições como a Abin serve para colocá-las a serviço do Estado, e não de governantes. “Vivenciamos um período [no qual] o nome da Abin esteve vinculado a ações que não condizem com o Estado Democrático de Direito. Portanto, este novo sistema de inteligência, este novo conselho [Consisbin] e esta nova Política Nacional de Inteligência [já aprovado pelo conselho] garantem segurança, capilaridade e reafirma o papel destas instituições enquanto defensoras da democracia e da lei em vigor”.